Na Justiça Laboral, é comum a determinação em sentença, ou em acórdão, que as horas extras deferidas sejam descontadas daquelas já remuneradas no decorrer da relação contratual. Entretanto, dependendo da situação, esse desconto pode resultar na substancial redução do pagamento das horas extras, pois dois e até três fatores podem contribuir para essa situação.

O desconto global, estabelecido na Orientação Jurisprudencial 415 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (SBDI-I do TST), determina que “A dedução das horas extras comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo não pode ser limitada ao mês de apuração, devendo ser integral e aferida pelo total das horas extraordinárias quitadas durante o período imprescrito do contrato de trabalho”.

A parte destacada da mencionada OJ 415 determina que sejam descontadas as horas extras pagas durante o contrato com aquelas deferidas em Juízo, mas não faz distinção quanto a quais horas extras devem ser descontadas. Isso pode resultar em um desconto inadequado se for deferido em Juízo o pagamento de horas extras devido à inexistência de função de confiança bancária, ou seja, se forem deferidas em Juízo apenas a 7ª e a 8ª hora diária como extraordinárias.

A imprecisão se manifesta exatamente na jornada que era cumprida antes do reconhecimento da inexistência de função de confiança e que foi cumprida e remunerada considerando uma jornada diária de oito horas, não de seis, como reconhecido em Juízo. Daí a inconsistência.

Se o Banco considerava a jornada do trabalhador como sendo de oito horas, foi sobre essa jornada que o Banco pagou horas extras, tendo o autor trabalhado a 7ª e 8ª hora igualmente como parte do contrato. Posteriormente, essas horas foram consideradas como extras, mas que obviamente não podem ser descontadas.

Nesse mesmo sentido, diante do mencionado §1º da cláusula 11 das Convenções Coletivas de Trabalho (CCTs) dos bancários, desde a CCT 2018/2020 há previsão de uma nova compensação das horas extras deferidas em juízo, desta vez, com a gratificação de função recebida pelo trabalhador.

Apesar da decisão oriunda do Supremo Tribunal Federal (STF), Tema 1.046, ter criado a possibilidade de que o acordado em convenções coletivas possa se sobrepor à lei, em evidente desrespeito a vários dispositivos legais, especialmente ao inciso X do artigo 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inciso XVI do artigo 7º da Constituição Federal e Súmula 109 do TST, além de ser igualmente contrário à jurisprudência brasileira, que condena o desconto entre verbas distintas, neste caso, horas extras com gratificação de função.

Se por um lado o artigo 611-A da CLT autoriza que a convenção e o acordo coletivo de trabalho tenham prevalência sobre a lei, este mesmo artigo não autoriza que essa prevalência retire direitos básicos do empregado, entre eles, o pagamento das horas extras prestadas.

Se a cláusula 11 convencional permite que sejam descontadas as horas extras deferidas em Juízo (7ª e 8ª pela ausência de função de confiança descrita no parágrafo 2º do artigo 224 da CLT) com a gratificação de função paga durante o contrato de trabalho, a mesma não pode ultrapassar os direitos básicos do trabalhador, conforme expresso no artigo 611-B da CLT, pois este dispositivo estabelece claramente que: “Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: (…) X – Remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;.”

Assim, se na demanda trabalhista houver a determinação de incorreto enquadramento do empregado no parágrafo 2º do artigo 224 da CLT, haverá a supressão do direito do trabalhador à remuneração do serviço extraordinário de forma dupla, ou seja, pelo desconto global previsto na OJ 415 do TST e pelo disposto no parágrafo 1º da cláusula 11 das CCTs dos bancários.

Por fim, destaca-se que no que diz respeito ao trabalhador bancário empregado da Caixa Econômica Federal, esse prejuízo pode ser ainda maior.

Desde 2010, vigora o texto da Orientação Jurisprudencial 70 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais Transitória do TST (OJ 70). Nela, está explicitado o seguinte texto: “CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. BANCÁRIO. PLANO DE CARGOS EM COMISSÃO. OPÇÃO PELA JORNADA DE OITO HORAS. INEFICÁCIA. EXERCÍCIO DE FUNÇÕES MERAMENTE TÉCNICAS. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DE CONFIANÇA. (DEJT divulgado em 26, 27 e 28.05.2010) Ausente a fidúcia especial a que alude o artigo 224, parágrafo 2º, da CLT, é ineficaz a adesão do empregado à jornada de oito horas constante do Plano de Cargos em Comissão da Caixa Econômica Federal, o que importa no retorno à jornada de seis horas, sendo devidas como extras a sétima e a oitava horas laboradas. A diferença de gratificação de função recebida em face da adesão ineficaz poderá ser compensada com as horas extraordinárias prestadas.”

Apesar de constar nesta OJ a observação de que “resta ineficaz a adesão do empregado à jornada de 08 horas constante no Plano de Cargos em Comissão”, essa orientação tem sido aplicada nos julgados trabalhistas sem que ao menos a Caixa Econômica Federal comprove nos autos de forma documental a adesão do empregado ao referido plano de cargos, o que causa um prejuízo ainda maior ao empregado.

Vale ressaltar que a mencionada OJ 70 contraria o disposto no artigo 5º da Constituição, que estabelece que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Sendo aplicável apenas aos empregados da Caixa, tal disposição não se estende aos funcionários desta instituição os preceitos da Súmula 109 do TST.

Além da ofensa mencionada, verifica-se que os dispositivos provenientes de uma mesma Corte (TST) são conflitantes, uma vez que a OJ e a Súmula abordam de maneira distinta uma mesma situação, que é o enquadramento do empregado no caput do artigo 224 da CLT.

A CLT não trata de forma diferenciada os bancários em seu capítulo específico, ao contrário do que se observa pela OJ 70 e a Súmula 109 mencionadas acima.

Por fim, observa-se que a legislação trabalhista, no que tange especificamente ao tema discutido, está caminhando para dificultar o acesso à Justiça, com decisões contraditórias, conflitantes e injustas, que desencorajam o trabalhador a buscar o judiciário quando se sente lesado pelo seu empregador, especialmente quanto às horas extras, que estão sendo descontadas dupla ou triplamente durante a fase de execução.

Diante das lacunas e inconsistências que permeiam o tratamento das horas extras na Justiça do Trabalho, é imprescindível uma análise mais aprofundada e abrangente das causas subjacentes a esses problemas. Não se trata apenas de uma questão de interpretação legal, mas também de compreender as dinâmicas e realidades do mercado de trabalho contemporâneo.

Um aspecto relevante a ser considerado é a evolução dos modelos de trabalho, especialmente com o avanço das tecnologias e a crescente adoção do trabalho remoto. Essas mudanças têm gerado novos desafios para a regulação das jornadas de trabalho e o controle das horas extras, exigindo uma atualização constante das leis e das práticas judiciais.

A digitalização e a virtualização do ambiente de trabalho têm ampliado as possibilidades de realização de atividades laborais fora do ambiente físico da empresa. Isso torna mais complexo o controle das horas efetivamente trabalhadas, já que muitos trabalhadores continuam desempenhando suas funções além do horário regular de expediente, sem que isso seja registrado adequadamente.

Além disso, é crucial promover um maior diálogo entre os diversos atores envolvidos no sistema de justiça trabalhista, incluindo trabalhadores, empregadores, sindicatos e magistrados. Somente através de uma abordagem colaborativa e participativa será possível identificar soluções mais eficazes e justas para os problemas relacionados às horas extras e outras questões trabalhistas.

A transparência e o acesso à informação são elementos-chave para garantir a equidade nas relações de trabalho. Os trabalhadores devem ter acesso claro às políticas e procedimentos relacionados às horas extras, bem como mecanismos eficazes para registrar e contestar o tempo de trabalho efetivamente realizado.

Outrossim, é fundamental que a Justiça do Trabalho reafirme seu compromisso com os princípios da igualdade, da dignidade humana e da justiça social. Isso implica não apenas em corrigir distorções e injustiças quando estas ocorrem, mas também em adotar uma postura proativa na promoção de condições de trabalho dignas e equitativas para todos os trabalhadores. Somente assim será possível construir um ambiente de trabalho mais justo, inclusivo e sustentável para o futuro.

Um aspecto crucial a ser considerado é o impacto das horas extras na saúde e no bem-estar dos trabalhadores. Estudos têm demonstrado que o excesso de horas de trabalho pode levar ao estresse, à fadiga e a problemas de saúde física e mental. Portanto, é fundamental que as leis trabalhistas estabeleçam limites claros para o número de horas extras permitidas e garantam que os trabalhadores sejam devidamente compensados pelo tempo adicional de trabalho.

Além disso, é importante reconhecer que as demandas por horas extras muitas vezes estão relacionadas a questões estruturais mais amplas, como a falta de investimento em tecnologia e processos de trabalho obsoletos. Nesse sentido, as empresas também têm um papel a desempenhar na promoção de práticas de trabalho mais eficientes e na redução da necessidade de horas extras excessivas.

Outro ponto relevante é a necessidade de considerar as diferentes realidades e necessidades dos trabalhadores em setores específicos, como os trabalhadores da saúde, da segurança pública e outros serviços essenciais. Nessas áreas, as horas extras podem ser inevitáveis devido à natureza do trabalho, mas é crucial garantir que esses trabalhadores sejam adequadamente remunerados e protegidos.

Além disso, é importante destacar que as horas extras não devem ser vistas como uma solução sustentável para aumentar a produtividade ou reduzir custos. Em vez disso, as empresas devem buscar formas de melhorar a eficiência e a organização do trabalho, investindo em treinamento, tecnologia e processos de trabalho mais eficientes.

Por fim, é fundamental que as leis e políticas relacionadas às horas extras sejam baseadas em evidências e em princípios de justiça social e equidade. Isso requer uma abordagem holística que leve em consideração não apenas os interesses dos empregadores, mas também os direitos e necessidades dos trabalhadores, bem como o impacto mais amplo nas comunidades e na sociedade como um todo.

Em resumo, garantir uma regulação adequada das horas extras é essencial para proteger os direitos dos trabalhadores, promover condições de trabalho justas e equitativas e garantir a saúde e o bem-estar de todos os membros da sociedade. Isso requer um esforço conjunto de governos, empregadores, trabalhadores e sociedade civil para desenvolver e implementar políticas e práticas que reflitam os valores de justiça, equidade e dignidade no local de trabalho.

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